Parábola do servo
Na linha
divisória em que se encontram as regiões da Terra e do Céu, nobre Espírito,
exibindo alva túnica, solicitava passagem, suspirando pela Divina Ascensão.
Guardava a
pureza exterior de um lírio sublime, falava docemente como se harpa melodiosa
lhe habitasse as entranhas e mostrava nos olhos a ansiedade e a timidez da
andorinha sequiosa de primavera.
O Anjo do
Pórtico ouviu-lhe o requerimento com atenção e, admirando-lhe a brancura da
veste, conduziu-o à balança de precisão para observar-lhe o peso vibratório.
Contudo, o
valioso instrumento foi contra ele. O clima interno do candidato não lhe
correspondia à indumentária brilhante.
À frente das
lágrimas tristes que lhe vertiam dos olhos, o funcionário divino exortou-o,
otimista:
— Desce à Terra
e planta o amor cada dia. A colheita da caridade dar-te-á íntima luz,
assegurando-te a elevação.
O Espírito
faminto de glória celestial renasceu entre os homens e, sempre cauteloso na
própria apresentação, muniu-se de casa enorme, adquirida ao preço de
inteligência e trabalho, e começou a fazer o bem por intermédio das mãos que o
serviam.
Criados
numerosos eram mobilizados por ele, na extensão da bondade aqui e ali…
Espalhava
alimentação e agasalho, alívio e remédio, através de largas faixas de solo,
explorando com felicidade os negócios materiais que lhe garantiam preciosa
receita.
Depois de quase
um século, tornou à justiceira aduana.
Trazia a roupa
mais alva, mais linda.
Ansiava subir às
Esferas Superiores, mas, ajustado à balança, com tristeza verificou que o peso
não se alterara.
O Anjo abraçou-o
e explicou:
— Pelo teu
louvável comportamento, junto às posses humanas, conquistaste a posição de
Provedor e, por isso, a tua forma é hoje mais bela; no entanto, para que
adquiras o clima necessário à vida no Céu, é indispensável regresses ao mundo,
nele plantando as bênçãos do amor.
O Espírito,
embora desencantado, voltou ao círculo terreno. Todavia, preocupado com a
opinião dos contemporâneos, fez-se hábil político, estendendo o bem, por todos
os canais e recursos ao seu alcance.
Movimentou
verbas imensas construindo estradas e escolas, estimulando artes e indústrias,
ajudando a milhares de pessoas necessitadas.
Quase um século
se esgotou sobre as novas atividades, quando a morte o reconduziu à conhecida
fronteira. Trazia, ele, uma túnica de beleza admirável, mas, levado a exame, a
mesma balança revelou-se desfavorável.
O fiscal amigo
endereçou-lhe um olhar de simpatia e disse, bondoso:
— Trouxeste
agora o título de Administrador e, em razão disso, a tua fronte aureolou-se de
vigorosa imponência… Para que ascendas, porém, é imprescindível retornes à
carne para a lavoura do amor.
Não obstante
torturado, o amigo do Céu reencarnou no Plano físico, e, fundamente interessado
em preservar-se, ajuntou milhões de moedas para fazer o bem. Extensamente rico
de cabedais transitórios, assalariou empregados diversos que o representavam
junto dos infelizes, distribuindo a mancheias socorro e consolação.
Abençoado de
muitos, após quase um século de trabalho voltou à larga barreira.
O aferidor
saudou-lhe a presença venerável, porque da roupagem augusta surgiam novas
cintilações.
Apesar de tudo,
ainda aí, depois de longa perquirição, os resultados lhe foram adversos.
Não conseguira
as condições necessárias ao santo cometimento.
Debulhado em
lágrimas, ouviu o abnegado companheiro, que informou prestimoso:
— Adquiriste o
galardão de Benfeitor, que te assegura a insígnia dos grandes trabalhadores da
Terra, mas, para que te eleves ao Céu, é imperioso voltes ao Plano carnal e
semeies o amor.
Banhado em
pranto, o aspirante à Morada Divina ressurgiu no corpo denso, e, despreocupado
de qualquer proteção a si mesmo, colocou as próprias mãos no serviço aos
semelhantes…Capaz de possuir, renunciou às vantagens da posse; induzido a
guardar consigo as rédeas do poder, preferiu a obediência para ser útil, e,
embora muita vez bafejado pela fortuna, dela se desprendeu a benefício dos
outros, sem atrelá-la aos anseios do coração… Exemplificou o bem puro, sossegou
aflições e lavou chagas atrozes… Entrou em contato com os seres mais infelizes
da Terra. Iluminou caminhos obscuros, levantou caídos da estrada, curvou-se
sobre o mal, socorrendo-lhe as vítimas, em nome da virtude… Paralisou os
impulsos do crime, apagando as discórdias e dissipando as trevas… Mas a calúnia cobriu-o de pó e cinza, e a
perversidade, investindo contra ele, rasgou-lhe a carne com o estilete da
ingratidão.
Depois de muito
tempo, ei-lo de volta ao sítio divino.
Não passava,
porém, de miserável mendigo, a encharcar-se de lodo e sangue, amargura e
desilusão.
— Ai de mim! — soluçou
junto ao vigilante da Grande Porta, — se de outras vezes, envergando veste
nobre não consegui favorável resposta ao meu sonho, que será de mim, agora,
coberto de barro vil?
O guarda
afagou-o, enternecido, e conduziu-o à sondagem habitual.
Entretanto, oh!
Surpresa maravilhosa!…
A velha balança,
movimentando o fiel com brandura, revelou-lhe a sublime leveza.
Extático, em
riso e pranto, o recém-chegado da Esfera Humana sentiu-se tomado nos braços
pelo Anjo Amigo, que lhe dizia, feliz.
— Bem-aventurado
sejas tu, meu irmão! Conquistaste o título de Servo. Podes agora atravessar o
limite, demandando a Vida Superior.
Imundo e
cambaleante, o interpelado caminhou para frente, mas, atingindo o preciso lugar
em que começava a claridade celeste, desapareceu a lama que o recobria,
desagradável, e caíram-lhe da epiderme equimosada as pústulas dolorosas… Como
por encanto, surgiu vestido numa túnica de estrelas e, obedecendo ao apelo
íntimo, elevou-se à glória do firmamento, coroado de luz.
Estante da vida
Irmão X /
Francisco Cândido Xavier
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