SAI UM PINGADO
– Bom senso – Comedimento – Desapego
Arthur Riedel
Quando eu era menino, existia no
Lago da Sé, no velhíssimo Largo da Sé, hoje Praça da Sé, em São Paulo, um café,
na esquina da Rua 15 de Novembro, chamado Café dos Girondinos. Os de mais de
meio século devem lembrar-se dele. Eu ia para a escola ali na velha Rua da Boa
Morte, hoje, Rua do Carmo: passava pelo Café Girondino e ouvia sempre o garçom
gritar lá dentro:
- “Sai um pingado!”
Aquele “pingado” que o garçom
servia me dava então ideia de ser uma coisa grande, deliciosa, e eu,
impressionado, não fazia outra coisa senão passar o dia inteiro desejando tomar
um “pingado”. Mas o empregado que me acompanhava para o colégio não permitia,
nunca, que eu entrasse no Café para tomar o tal “pingado”. O “pingado” era a
minha alucinação, o meu sonho, o meu desejo. À noite, sonhava com ele.
Uma manhã, quando ia para o
colégio, avisaram-me, em casa: “Você tem que ir sozinho; o empregado não pode
acompanha-lo”.
Que alegria, que satisfação! Era
a oportunidade que esperava de tomar o “pingado”. Corri ao meu cofre, daqueles
antigos, feitos de barro, quebrei-o, peguei as moedas, enchi o bolso, enquanto
pensava comigo mesmo: “Será que isto chega para um pingado?”.
Entrei no Café e sentei-me. Nem
um rei era tão feliz quanto eu, nem uma noiva no dia do seu noivado!
Quando o garçom chegou, pedi-lhe,
com voz emocionada, um “pingado”. Esperava uma coisa maravilhosa; não sabia o
que era, mas a minha imaginação havia criado tal forma que devia ser uma coisa
maravilhosa. O garçom gritou lá de dentro, com voz aportuguesada:
- “Um pingado!”
Fiquei esperando.
De repente, veio o garçom e
colocou na minha frente um copo de leite com um pingo de café: a mesma coisa
que eu bebia todas as manhãs em minha casa, era o tal “pingado”!
Vieram-me lágrimas aos olhos.
Joguei um níquel sobre o balcão e saí de lá soluçando.
Essa lição ficou-me pela vida
afora. Daí em diante, quando me vinha um sonho de glória, um sonho de amor, uma
ambição, um desejo, algo que queria muito, eu pensava: “Não era isso um simples
pingado?”.
Texto extraído do livro: “A luz dissipa as trevas”
de Paulo Daltro de Oliveira - Página 95 e 96

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